Saudações amigos e amigas. Hoje falaremos do massacre ocorrido no estado do Pará no ano de 1823, e que ficou conhecido como "Tragédia do Brigue Palhaço". Esse episódio levou 252 pessoas a morte e teve apenas um sobrevivente e foi um dos episódios mais trágicos e cruéis que marcaram a anexação do território do Pará ao recém independente estado Brasileiro.
Essa é uma postagem que faz parte da série "Histórias e Lendas Brasileiras" e me foi indicada pela amiga Nayara Mastub. Convido todos a conhecerem esse trágico episódio da história do Pará, que a amiga Nayara tão gentilmente compartilhou com a gente.
Adesão do Pará à Independência do Brasil
Antes de falarmos da tragédia do Brigue Palhaço, devemos falar do momento histórico em que tal fato aconteceu, para podermos relacionar melhor os fatos que motivaram tal ato, e como esse massacre acabou refletindo em eventos futuros.
O Brasil declarou-se independente de Portugal em 7 de setembro de 1822, contudo, o Grão-Pará não era Brasil. E essa província recusava-se em subordinar-se ao Estado brasileiro, preferindo continuar ligada a Portugal.
Teve destaque nessa relutância o cônego Batista Campos, apoiado principalmente por comerciantes brasileiros. Ele e o grupo do qual fazia parte, os Patriotas (liberais radicais), conseguiram, em janeiro de 1823, reunir número suficiente de pessoas para jurar fidelidade à Constituição lusitana. No entanto, deposta a junta governativa pelo imperador, os rebeldes exigiam a formação de um governo popular, sob a chefia de Batista Campos.
Refugiados no interior, os patriotas passaram a conspirar contra o governo, ganhando apoio das populações locais. As vilas de Cametá, Santarém, Macapá, Mazagão, Monte Alegre e Vigia transformaram-se em verdadeiros núcleos de conspiração. A adesão das massas populares às propostas de Batista Campos constituíram o começo de um processo que iria ter seu ponto culminante mais de dez anos depois com a Cabanagem. Os núcleos de rebeldes assim constituídos isolaram a junta portuguesa, o que facilitaria posteriormente a tarefa do almirante Greenfell, enviado pelo imperador para impor um governo fiel.
Em 27 de fevereiro de 1823, após disputada eleição, foi eleita a Primeira Câmara Constitucional de Belém, composta por nove vereadores. Contudo, o governador das armas, comandante das tropas portuguesas, general José Maria de Moura, não estava feliz com a eleição e posse desses vereadores tidos como independentes à política de predomínio português, e por isso não compareceu à instalação da Câmara no Paço do Conselho. Ele reuniu seus comandados, os de maior confiança entre seus oficiais, em sua própria casa, decidindo o que fazer diante do fato da sempre crescente decisão paraense de aderir à Independência.
O coronel João Pereira Vilaça deu início ao motim em primeiro de março, prendendo imediatamente os vereadores, em sessão no Paço do Conselho, distribuindo-os encarcerados nos quartéis de várias localidades do interior como Chaves, Acará, Monte Alegre, dentre outros.
Com o objetivo de apressar a adesão do Pará, foi mandado José Luís Arosa, um revolucionário do eixo Rio/São Paulo, e que teve logo o apoio de um italiano, João Batista Balby, que trabalhou intensamente para convencer os oficiais brasileiros para a causa.
João Balby, acompanhado de oficiais e soldados do Regimento de Macapá, no dia 14 de abril, entrou no quartel do Corpo de Artilharia, no Convento de Santo Antônio. Os rebelados detiveram a tropa do tenente-coronel José Antônio Nunes, com o domínio de todo o quartel. Mas a conspiração foi dominada pelos comandados do general Moura com o apoio da tropa do coronel Vilaça. Os participantes da revolta só não foram executados sumariamente graças ao bispo D. Romualdo Antônio de Seixas, mais tarde Marques de Santa Cruz.
E as revoltas se multiplicavam na província insurgente. Em Muaná, no Marajó, o povo levantou suas armas e proclamou a tão desejada independência, em maio de 1823, sob a liderança de 200 homens. O idealismo marajoara foi sufocado pelas tropas portuguesas armadas de fuzis. No dia 13 de julho de 1823 a galera (navio) Andorinha do Tejo partiu para Lisboa, levando 267 presos, muitos dos quais faleceram durante a travessia.
Atentos às manifestações contrárias, os portugueses procuraram reforçar então suas defesas, como as baterias de Val-de-Cães, a Fortaleza da Barra, os fortes do Castelo e de São Pedro Nolasco, impedindo a estrada de navios no porto. No dia 11 de agosto de 1823, entretanto, uma nau de guerra, de bandeira brasileira, fundeou na baía de Guajará. O comandante do barco, o capitão inglês (a serviço de D. Pedro I) John Pascoe Greenfell enviou, à terra, ofício do chefe da Esquadra Imperial, Almirante Alexandre Thomas Cockrane, de que o porto de Belém estava bloqueado e as forças imperiais exigiam a rendição de quem se opunha à Independência Brasileira, alegando que só restava o Pará ser integrado, e que ele se encontrava com uma esquadra de navios fora da barra, prontos para assegurar a adesão.
Para conseguir a adesão com mais facilidade, Greenfell afirmava que as propriedades dos portugueses que aderissem ao Estado brasileiro seriam garantidas, devendo apenas prestar juramento de obediência à Sua Majestade Imperial. Esses português não apenas teriam suas posses garantidas, mas também gozariam de grande influência na política local.
A Junta Governativa que era presidida por D. Romualdo de Sousa Coelho, resolveu reunir extraordinariamente um conselho para deliberar sobre a situação. Ás 7 horas da noite de 11 de agosto, no Palácio do Governo, a junta governativa reuniu-se, tendo o comandante das armas José Maria Moura procurado adiar a decisão do Conselho, o que não ocorreu, pois o povo presente à reunião bradava, exigindo a adesão. A reunião encerrou-se às 23 horas com a decisão de que o Pará estava independente de Portugal, unindo-se ao Império. Em 15 de agosto de 1823, foi Proclamada da Adesão do Pará à Independência do Brasil. O brigue do capitão Greenfell deu salva de 21 tiros, respondido pela fortaleza da barra, anunciando o hasteamento da bandeira brasileira. No palácio do Governo, as autoridades formalizaram, solenemente, o ato da Adesão, com o povo, comemorando nas ruas.
Tudo parecia resolvido, contudo, deposta a junta, os patriotas refugiados no interior exigiram a formação de um governo popular, sob a chefia de Batista Campos.
O plano do comandante Greenfell de dar certas regalias a portugueses que juraram lealdade ao império brasileiro acabou descoberto pelo povo, e começaram as manifestações dos adversários e da própria população, contra a recém instalada Junta Provisória, acusada de manter no poder os comerciantes e latifundiários portugueses. Sem controle, os revoltosos invadiram as residências portuguesas e saquearam suas casas comerciais. O cônego Batista Campos, numa tentativa de evitar alguns desses conflitos, foi acusado pelo comandante inglês como um agitador político.
Com autoritarismo, disposto a manter a “ordem”, Greenfell executou friamente 5 homens, como forma de reprimir as manifestações populares, e amarrou Batista Campos à boca de um canhão aceso. Membros da Junta Provisória intercederam e recomendaram a transferência do Cônego para ser processado e julgado no Rio de Janeiro. Greenfell recuou e soltou Batista Campos.
A tragédia do Brigue Palhaço
Mas, não satisfeito com as execuções, Greenfell aprisionou 253 suspeitos, por tempo indeterminado, no porão do brigue “Palhaço”, comandado pelo tenente Joaquim Lúcio Azevedo.
Devido às insuportáveis condições, os homens confinados berravam por água e por ar.
Para acalmar os ânimos, a tripulação atirava, divertindo-se com os gritos dos agonizantes no porão, pelo calor e a sede. Aumentando a crueldade, foi lançada sobre os prisioneiros uma nuvem de cal viva. No dia seguinte, apenas quatro ainda viviam e, no dia posterior, somente um restava, João Tapuia. No total morreram 252 milicianos e praças, sufocados e asfixiados.
Algumas fontes afirmam que eram 256 pessoas presas no porão do navio, mas todas as fontes mencionam 252 morte e apenas um sobrevivente, logo o número de 256 pessoas presas não confere, a menos que alguns dos presos havia sido libertos sem que isso tenho constado na história oficial.
Sobre o ocorrido Laurentino Gomes relatou que “eram sete horas da manhã do dia 22 quando se correu a escotilha do navio em presença do comandante... E o que viu ele? Um montão de duzentos e cinquenta e dois corpos, mortos, lívidos, cobertos de sangue, dilacerados, rasgadas as carnes com horrível catadura e sinais de que tinham expirado na mais longa e penosa agonia”.
John Greenfell eximiu-se de responsabilidade pelo ocorrido, argumentando que o ataque não se executara por ordens suas. Devido a este clima de desespero e crueldade, os caboclos e tapuias paraenses começaram então a percorrer os primeiros passos da longa trilha que levaria ao início do advento da Cabanagem, dez anos depois, em 1835.
A Vingança dos Cabanos
A hora da vingança popular soou dez anos depois do massacre dos amotinados, sufocados no brigue “Palhaço”. Em 1833, num momento de desentendimento da Regência com a oligarquia de Belém (dividida entre o partido filolusitano dos Caramurus e os nacionalistas chamados de Filantrópicos), abriu-se uma brecha para que o furor nativo emergisse. Em janeiro de 1835, capitaneados pelos irmãos Vinagre e por Eduardo Argelim, um ex-seringueiro, a Selva marchou contra a Cidade.
Os cabanos eram milhares, tapuias de todas as tribos e caboclos do todas as misturas. Assassinaram o presidente da província, e os chefes militares, do exército e da marinha. O que restou do governo de Belém, apavorado com a insurgência, escafedeu-se para a ilha Tatuoca, montando ali uma precária resistência enquanto esperavam rezando um socorro qualquer da Regência.
Na capital abandonada, enquanto isso, assumiam os revolucionários. Ao contrário de tantas outras rebeliões daquela época, comandadas por robespierres do engenho e dantons da estância, a cabanagem foi inteiramente popular, liderada por gente do povo mesmo, pelo Bararoá, pelo Borba e pelo lendário Maparajuba do Tapajós. A massa porém, egressa do mato e dos igarapés, não sabia bem o que fazer com o que conquistara, não conseguiu fazer com que a vitória inicial se transformasse em algo seguro, num estado revolucionário como os jacobinos fizeram na França em 1793. Tudo deu para desandar.
Enquanto isso, Belém padecia. O mato crescia por tudo e o lixo se empilhava. Não havia serviço público algum. O rebelde, o apigáua paraense saído da palhoça da beira de rio, descuidava-se da cidade. Os prédios públicos, obra do desenho do italiano Antônio Landi, eram tomados por bichos e, disseram que, até a boiuna de prata, a malvada cobra-grande, andou habitando neles. Oito meses e 19 dias depois, com a chegada das tropas da Regência em maio de 1836, os cabanos foram obrigados a se retirarem, refugiando-se nos matos.
Um viajante, o reverendo norte-americano Daniel Kidder, que lá esteve logo depois da retomada de Belém em ruínas, encontrou a maioria das fachadas dos prédios e das casas furadas à bala ou lambidas pelo fogo. Seguiu-se então, sob comando das tropas imperiais, o terror branco, ao mata-cabano, momento em que a floresta encheu-se de sangue. Estimaram as vítimas da repressão do governo em mais de 30 mil mortos. A cabanagem traumatizou por muitos anos o Pará.
Se o poeta Manuel Bandeira muito mais tarde, encantado, admirando as mangueiras que dão as boas sombras das ruas de Belém, a “cidade pomar” (obra do intendente Lemos, no auge da extração da borracha), disse que nela “o céu esta encoberto de verde”, provavelmente hoje, olhando para o mesmo céu (corridos mais de cento e oitenta anos dos gazeamentos do brigue “Palhaço” e das chacinas governamentais nas florestas do Pará), veria-o ainda enrubescido de vergonha pela impunidade que por lá ainda continua soberana.
Agradecimentos a amiga Nayara Mastub pela dica.
Fontes: Monte Alegre e História & Vestibular
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