John Dee: O adivinho da família real britânica
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John Dee: O adivinho da família real britânica



John Dee nasceu em 13 de julho de 1527, em Londres, Inglaterra, e foi geógrafo, astrólogo, matemático e astrônomo; também um incansável estudioso de alquimia e das ciências herméticas sem que, no entanto, estivesse associado a alguma doutrina secreta, mesmo tendo influenciado diversas outras. Ainda assim, sua imagem notabilizou-se para a posteridade como um dos ocultistas mais influentes de seu tempo e de seus sucessores.

Um dos homens mais instruídos de seu tempo, já lecionava na Universidade de Paris antes de completar trinta anos. Era um divulgador entusiasmado da matemática, um astrônomo respeitado e um perito em navegação, treinando muitos daqueles que conduziriam as viagens exploratórias da Inglaterra. Ao mesmo tempo, estava profundamente imerso na filosofia hermética e na chamada magia angélica e devotou a última terça parte de sua vida quase que exclusivamente a este tipo de estudo. Para Dee e para muitos de seus contemporâneos, estas atividades não eram contraditórias, mas aspectos de uma visão consistente do mundo.

Sua biografia é tão rica quanto incógnita. De sua vida adulta, sabe-se que foi casado por três vezes e pai de oito filhos. Filho do mercador Roland Dee, John Dee teve uma boa educação acadêmica em Cambridge. Seus valores intelectuais foram prontamente recebidos por seu ciclo social e acadêmico, tornando-se posteriormente um dos membros fundadores do célebre Trinity College.

Em 1547, teria sido expulso de Cambridge sob acusação de bruxaria. Entre o final da década de 1540 e início da década seguinte, Dee viajou pela Europa passando por Lovaina e Bruxelas, chegando também a lecionar em Paris. Esta etapa de sua vida proporcionou-lhe acumular experiências e conhecimento sobre diversos assuntos como matemática e astronomia. Durante este período, sustentou-se economicamente elaborando mapas astrais para a elite européia.

Em seu retorno à Inglaterra, teve a oportunidade de lecionar em Oxford, em 1554. Porém, recusou a oferta por não concordar com a postura das universidades frente às disciplinas mais relevantes. Nesta mesma época, mais do que apoio financeiro para dar prosseguimento aos seus estudos, Dee recebeu também da Duquesa de Northumberland, o antigo e misterioso Manuscrito Voynich. De autoria desconhecida, o manuscrito é repleto de ilustrações, símbolos uma linguagem incompreensível.

Dee e a Monarquia

No ano seguinte, já desfrutando de grande popularidade e respeito entre o círculo intelectual britânico, traçou o horóscopo da Rainha Mary e da princesa Elizabeth. Foi através de seus préstimos que obteve apoio financeiro da monarquia; sendo até mesmo nomeado como "astrólogo real". Porém, em um período de plena influência da Igreja e atividade da Inquisição, este serviço prestado à nobreza rendeu-lhe graves acusações, incluindo uma suposta "traição" à Rainha.

Isto ocorreu porque Elizabeth I questionou o astrólogo a respeito do dia da morte da Rainha Mary. Dee consultou os astros e respondeu-lhe prontamente. A precisão e segurança de Dee ao afirmar a data da morte da Rainha Mary gerou a desconfiança de que um plano para assassinar a monarca estava sendo articulado. O astrólogo foi acusado de bruxaria e de tramar contra a vida da Rainha.


Nesta ocasião, Dee agiu em sua própria defesa, sendo considerado inocente após intervenção da própria Princesa Elizabeth. Posteriormente, ainda teve de passar por um "exame religioso" inquirido pelo Bispo Edmund Bonner. Mais uma vez, Dee foi inocentado e ainda tornou-se amigo próximo de Bonner.

Um de seus maiores feitos ocorreu em 1556 quando propôs à monarquia um projeto de uma biblioteca nacional que não apenas reunisse uma gigantesca quantidade de livros, manuscritos e registros, mas que também zelasse pela sua preservação. A ideia foi desconsiderada pela Rainha. Mas, Dee, incansável em seu propósito, passou a reunir em sua própria residência em Montlake, livros, registros e manuscritos de todo o país e da Europa. Em pouco tempo, sua biblioteca particular já chamava a atenção de estudantes vindos de todos os lugares, tornando-se uma referência de cultura e aprendizado que ia além dos centros acadêmicos.

A ascensão ao trono de Elizabeth em 1558 favoreceu Dee que, gozando de sua confiança, tornou-se uma espécie de conselheiro astrológico e científico da nova Rainha; sendo ele próprio, inclusive, quem sugeriu a data mais apropriada para a cerimônia de coroação. No início da década de 1570, mais uma vez, seu prestígio com a monarquia foi importante para receber auxílio médico quando esteve gravemente enfermo.

No mesmo período, também atuou com auxílio técnico as viagens marítimas britânicas, sendo também um dos entusiastas do surgimento de um "império britânico". A publicação de 1577,Memórias Gerais e Raras no que Concerne a Perfeita Arte da Navegação, que fortalecia as ambições inglesas para as terras do Novo Mundo.

No ano de 1564, Dee escreveu um tratado intitulado Monas Hieroglyphica (mônada hieroglífica) que consistia em uma interpretação cabalística de um símbolo elaborado por ele mesmo e que tentava expressar uma unidade mística da criação. Esta publicação recebeu uma ótima recepção em seu tempo; porém, atualmente, torna-se difícil interpretá-la. Entretanto, um de seus trabalhos mais influentes foi uma obra sobre matemática, o prefácio matemático, que abordava sua importância aritmética sobre as ciências e as artes. Parallacticae Commentationis Praxos Que- Teoremas Trigonométricos foi escrito em 1573.

John Dee e os Anjos

A partir de aproximadamente 1580 a vida de John Dee tomou outros rumos. Foi nesse período que seu contato com o ocultismo se tornou mais frequente e profundo. Tudo começou quando Dee, imerso em orações, teria recebido a visita do Anjo Uriel, que lhe ofereceu uma espécie de espelho de cristal que permitia a Dee visualizar mundos espirituais e outras formas de inteligência.

Dee recrutou dois auxiliares para ajudá-lo na observação e interpretação das imagens surgidas no espelho: Barnabas Saul e Edward Kelley. Saul foi dispensado pouco depois por suspeita de espionagem. Dee e Kelly deram continuidade aos estudos.

Edward Kelley era mais de vinte anos mais novo que Dee e trazia um histórico de vida polêmico e inconstante. Kelley era um hábil calígrafo que usava seus talentos para falsificar documentos. Fato que lhe rendeu reclusões e a amputação de suas duas orelhas. Certa vez, quando estava na região de Glastonbury, Kelley recebeu de um amigo um tratado que abordava princípios alquímicos como a transmutação do metal em ouro; além de substâncias em pó que seriam as "tinturas da filosofia hermética". Tanto o manuscrito quanto as substâncias teriam sido encontradas no momento da violação de um túmulo de um bispo católico da região. Portanto, neste momento, Kelley já trazia uma considerável bagagem no mundo dos estudos ocultistas.

Juntos, Kelley e Dee conseguiram progressos significativos através de rituais de purificação e transe, telepatia e clarividência. O próprio Dee teria afirmado que muitos de seus manuscritos haviam sido "ditados por anjos" durante suas práticas.

Em 1583, Dee e Kelley, acompanhados de seus familiares, viajaram à Polônia atendendo ao convite do nobre Albert Laski. A intenção de Laski era que os ocultistas pudessem, sob seus domínios, produzir ouro através dos processos alquímicos. Sem sucesso e com as finanças de Lasky em ruínas, Dee e Keely seguiram para outros países da Europa e deram continuidade as suas práticas.

Instalam-se em Praga na segunda metade da década de 1580. Decepcionado por não conseguir desvendar o manuscrito Voynich, Dee entrega-o ao Conde Rodolfo II. Ainda, entraram em contato com monarcas na intenção de obter apoio e respaldo de suas teorias ocultistas; entretanto, não foram bem sucedidos.

Por volta de 1587 houve uma situação curiosa. Kelley teria dito ao companheiro que recebera através do espelho mágico uma mensagem que colocava como condição a necessidade de compartilharem suas esposas, sob pena de o espelho não mais revelar-lhes nada. Dee recusou prontamente. Afastou-se de Kelley e pôs o próprio filho Arthur, de apenas oito anos, para auxiliá-lo na observação e interpretação das imagens. Arthur não correspondeu às expectativas de seu pai. Dee reaproximou-se de Kelley e aceitou a proposta conjugal. Porém, é possível que Kelley tivesse articulado esta situação na intenção de se desvencilhar da companhia de Dee.

Dee, Kelley e a Morte

Envolvido indiretamente na causa política que afligia a região, Dee foi expulso de Praga por Rodolfo II, encontrando abrigo com Guilherme de Roisenberg. Kelley permaneceu em Praga sob o apoio de Rodolfo e deu sequência às suas práticas. Entretanto, Kelley não obteve os resultados esperados por Rodolfo. Pressionado pelo governante, buscou o auxílio de Dee em Praga. Nesta cidade, Kelley é vítima da hostilização da comunidade católica e é desafiado a um duelo por um jovem. Kelley fere mortalmente seu opositor e é preso. Neste momento, Elizabeth I toma conhecimento da situação e envia o capitão Gwinne para libertá-lo e levá-lo de volta à Inglaterra. Durante a fuga, Kelley fratura a perna e, devido aos ferimentos não tratados adequadamente, acaba por falecer.

A partir deste momento tem início um dos piores períodos da vida de John Dee.

Ao retornar ao país de origem, Dee deparou-se com sua biblioteca arruinada e abandonada; seus instrumentos de astronomia e astrologia haviam sido furtados e saqueados por aqueles que atribuíam à Dee a condição "bruxo maligno". Em seguida, por volta de 1592, buscou auxílio com a Rainha Elizabeth, que por sua vez o encaminhou para a cidade de Manchester, para atuar como diretor do Christ’s College. Entretanto, neste momento, Dee já não desfrutava de boa fama. Era visto como um ocultista de índole falha. Esse fator certamente contribuiu para que recebesse desprezo por parte de seus companheiros de trabalho e o inevitável insucesso de sua nova ocupação.

Sua passagem em Manchester se estendeu até o ano de 1605. Neste momento, James I já havia herdado o trono britânico e, dada a antipatia do monarca com as ciências ocultas, recusou-lhe qualquer tipo de ajuda.

A esta altura Dee já se aproximava dos oitenta anos de vida. Enfermo e debilitado, recolheu-se em sua residência em Montlake onde permaneceu seus últimos dias, falecendo entre 1608 e 1609 por causas naturais. Parte de suas obras foi destruída a mando de James I.

O Museu Britânico mantem diversos artigos que pertenceram a John Dee, a maioria associado com suas conferências espirituais:
  • Espelho (um objeto de um culto asteca na forma de um espelho de mão, trazido a Europa no fim da década de 1520), que chegou a ser propriedade de Horace Walpole.
  • Os pequenos selos de cera usados para apoiar os pés da "mesa de prática" de Dee (a mesa em que utilizava a bola de cristal).
  • O selo maior e mais decorado chamado "selo de Deus", usado para apoiar a "Shew-Stone"", a esfera de cristal usada por Dee.
  • Um amuleto de ouro gravado com uma representação de uma das visões de Kelley.
  • Um globo de cristal, com seis centímetros de diâmetro. Este artigo permaneceu despercebido por muitos anos na coleção mineral do museu; possivelmente pertenceu a Dee, mas sua procedência não é tão certa quanto a dos outros.
Artefatos de Dee
Em dezembro 2004, uma shew-stone (uma pedra usada em previsões) que pertenceu anteriormente a Dee e uma explanação do meio do século XVII escrita por Nicholas Culpeper foram roubadas do museu de ciência em Londres, mas foram recuperados pouco depois.

Herança e Segredos

Após sua morte, um antiquário da região adquiriu o terreno onde situava-se sua residência, com o intuito e promover escavações e buscar "relicários" pertencentes ao ocultista. Diversos registros redigidos pelo próprio Dee foram encontrados; entre eles, descrições detalhadas de suas práticas conhecidas como "conferências espirituais". Parte desse conteúdo foi publicado em 1659 por Méric Casaubon. Nesta obra, o autor levanta a hipótese de que Dee teria entrando em contato com "espíritos malignos" e não com "anjos" como afirmava o próprio ocultista. Devido à popularidade de Dee, a obra obteve grande repercussão.

Trabalhos de sua autoria como Filosofia Oculta, um tratado intitulado Harptarchia Mystica e uma suposta tradução do Necronomicon enriquecem sua biografia e ajudam a consolidar sua imagem misteriosa.

Dee foi também um homem de visão política que defendia a colonização inglesa na América do Norte. Seus estudos cartográficos, bem como técnicas e instrumentos desenvolvidos por ele mesmo contribuíram muito para o progresso da navegação. Seu prefácio matemático, por abordar o tema através de um ponto de vista prático e objetivo, também encontrou ótima aceitação em seu tempo e ainda hoje é considerado um de seus trabalhos mais significativos. Ainda, conheceu pessoalmente Shakespeare, que se inspirou no próprio ocultista para elaborar o personagem Próspero, da obra Tempestade.

Fontes: Wikipédia e SpectrumGothic

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