Será?
Medo

Será?


Paulo foi passar uma semana com os quatro filhos num hotel-fazenda de Três Córregos, a Fazenda Velha. Na volta pra casa, esqueceu lá seu computador portátil, seu laptop, que tinha sido guardado por dona Santa, a simpática proprietária do lugar.

Tiveram na fazenda uma semana de muita diversão e todas as noites ouviram dona Santa contar velhas histórias de assombrações. Assombrações povoaram seus dias e noites na fazenda. Ouviram seus choros, passos, ruídos fantasmagóricos, e até mesmo conviveram com algumas delas, para no final descobrir que era tudo um teatro, uma grande apresentação para divertir os hóspedes.

Agora que o sociólogo da capital queria recuperar seu laptop esquecido na fazenda, vinham lhe dizer que a fazenda não existia havia muitos e muitos anos. Que os moradores haviam morrido num incêndio que consumira a casa com tudo que havia dentro. Que teria sido um menino que pôs fogo na casa, um menino que gostava de brincar com espelhos...

Um funcionário da prefeitura que lhe deu as informações disse também que tudo eram velhas histórias, ninguém sabia ao certo o acontecido, mas que os falecidos no sinistro incidente estavam enterrados no cemitério da cidade, num túmulo com nomes e retratos. Era tudo o que restava de memória da fazenda e de seus infelizes moradores, patrões e empregados. O funcionário da prefeitura prontificou-se a guiá-lo ao local onde estavam sepultados.

Paulo achou tudo aquilo um despropósito, mas ele ia lá pra ver, pagava pra ver. Paulo estava na capital, onde morava com os filhos, e antes de viajar teve que resolver alguns problemas, pagar contas e falar com o pessoal de seu trabalho. Passava do meio-dia quando conseguiu ficar livre. Deixou as crianças aos cuidados de uma amiga, telefonou ao servidor da prefeitura, seu informante, explicou que tinha se atrasado um pouco, marcou hora e lugar para se encontrar com ele, pegou o carro e partiu.

A tarde caía quando chegou a Três Córregos. Passou pela estradinha onde ficava a fazenda: era tudo cana-de-açúcar, um deserto verde. Não viu casas nem árvores, nem bichos do mato, nem passarinhos. Percorreu mais de quatro quilômetros e chegou à cidade. Foi fácil achar a prefeitura e identificar o funcionário. Era um velho alto e magro de uma palidez desconcertante. Paulo achou familiar sua fisionomia, quem sabe teria o visto antes na cidade? Cumprimentaram-se e o velho disse: "Vamos a pé, a estrada está ruim para passar de carro". Em poucos minutos estavam os dois subindo a ladeira que levava ao afastado cemitério da cidade. Chegando ao portão do campo-santo o velho disse a Paulo que entrasse sozinho. Não gostava de cemitérios, desculpou-se. Explicou como chegar no túmulo da família, despediu-se com uma reverência e foi embora.

Não foi difícil para o sociólogo encontrar a campa que seu acompanhante descreveu com precisão. A noite começava a cair sobre o cemitério. Uma densa neblina cobria as sepulturas, esfriara um pouco. Paulo sentia-se desconfortável, mas podia enxergar perfeitamente. Estava em pé diante a tumba. Havia muitos retratos e nomes. Foi reconhecendo as fisionomias familiares. Lá estavam escritos os seus nomes em letras de bronze sobre uma lápide de mármore mortuária: Santa, Juvêncio, Elisa, Ana, Leôncio, Clara, João, Antônio...

Que história mais estranha, que loucura!

O olhar aturdido de Paulo desviou-se dos retratos. Sentiu as pernas bambas, um calafrio lhe percorreu a espinha. Na base do jazigo, à sua espera, sob olhar perpétuo de dona Santa no retrato repousava seu querido laptop.


Fonte: http://lendaselendas.blogspot.com.br/



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