O caso Araceli
Medo

O caso Araceli



Já foram feitas muitas postagens aqui no blog Noite Sinistra falando de crimes cruéis cometidos em diferentes partes do mundo, sendo que alguns deles permanecem sem solução. O caso retratado hoje, conhecido como "Caso Araceli", aconteceu no Brasil durante a década de 70, e até os dias de hoje ninguém foi condenado pela justiça por esse crime que comoveu o Brasil na época.

Araceli Cabrera Crespo tinha 8 anos quando foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo, em 1973. Recentemente (18-05-15), o desaparecimento da menina completou 42 anos, mas ninguém foi punido pelo crime. Após a prisão, julgamento e absolvição dos acusados, o processo foi arquivado pela Justiça.

Em memória à menina Araceli, uma das mais emblemáticas vítimas de violência contra a criança no país, o dia 18 de maio foi instituido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, com a aprovação da Lei Federal 9.970/2000.

O desaparecimento

Araceli era a segunda filha do eletricista Gabriel Crespo e da boliviana radicada no Brasil Lola Sánchez. Viviam numa casa modesta, na rua São Paulo (hoje rua Araceli Cabrera Crespo), no bairro de Fátima, na cidade de Serra, vizinha à cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo.

No dia 18 de maio de 1973, uma sexta-feira, Araceli saiu de casa, no bairro de Fátima, na Serra, e foi para a Escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória. No dia, a menina saiu da escola mais cedo, a pedido da mãe, Lola Cabrera Crespo.

Segundo a mulher, Araceli precisava sair antes da aula terminar, porque poderia perder o ônibus que a levaria de volta para casa.

Após sair da escola, ela foi vista por um adolescente em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, em Vitória.

Ainda de acordo com esse adolescente, a menina não entrou no coletivo e ficou brincando com um gato no estabelecimento. Depois disso, Araceli não foi mais vista. À noite, o pai, Gabriel Sanchez Crespo, iniciou as buscas pensando se tratar de um sequestro, ele distribuiu fotografias da filha aos jornais locais.


Corpo é encontrado

Dias após o desaparecimento, em 24 de maio, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil, em Vitória.




Inicialmente, o pai de Araceli reconheceu o corpo como sendo da menina. No dia seguinte, ele negou, afirmando que o corpo não era o da filha desaparecida. Meses depois, após exames, foi constatado que o corpo era mesmo de Araceli.


Testemunhas e contradições

Durante as investigações, provas e depoimentos misturaram fatos com boatos. Mesmo depois de tantos anos após a morte de Araceli, o assunto ainda é um mistério. Além de grande parte das testemunhas terem morrido, as que ainda estão vivas se recusam a falar do assunto.

Diante dos fatos apresentados pela denúncia do promotor Wolmar Bermudes, a Justiça chegou a três principais suspeitos: Dante de Barros Michelini (o Dantinho), Dante de Brito Michelini (pai de Dantinho) e Paulo Constanteen Helal – todos membros de tradicionais e influentes famílias do Espírito Santo.

A versão da morte da menina apresentada pela acusação, que mais tarde terminou no julgamento dos acusados, afirma que Araceli foi raptada por Paulo Helal, no bar que ficava entre os cruzamentos da rua Ferreira Coelho e César Helal, após sair do colégio.

No mesmo dia, a menina teria sido levada para o então Bar Franciscano, na Praia de Camburi, que pertencia a Dante Michelini, onde foi estuprada e mantida em cárcere privado sob efeito de drogas.

Por causa do excesso de drogas, Araceli entrou em coma e foi levada para o hospital, onde já chegou morta. Segundo essa versão, Paulo Helal e Dantinho usaram de influência para retirar o corpo da garota do hospital o jogaram em uma mata, atrás do Hospital Infantil, em Vitória.

Na época muitas diferentes versões para o caso foram formuladas, algumas das quais baseadas em boatos. Uma das hipóteses alternativas que chegou a ser investigada, era de que a menina teria sido mandada pela mãe para entregar um envelope a Jorge Michelini, tio de Dantinho, um dos suspeitos de sua morte. Chegando lá, os acusados a teriam drogado, estuprado e assassinado num apartamento do Edifício Apolo, no centro de Vitória. Porém, de acordo com a promotoria (e depoimento de Marislei Fernandes Muniz) Araceli chegou a estar no ônibus depois da escola no dia 18 de maio de 1973, versão essa que confirmava as afirmações da mãe da menina.

Ainda segundo o depoimento de Marislei, Araceli esperava pelo ônibus quando Paulo Helal, que estava em seu Mustang branco, pediu para Marislei dizer à menina que "Tio Paulinho" a chamava para levá-la para casa.

Outra versão aponta que a própria mãe de Araceli, Lola Sánchez, que teria usado a própria filha como "mula" para entregar drogas a Jorge Michelini. Lola seria um contato na rota Brasil–Bolívia do tráfico de cocaína. Segundo essa versão, Michelini teria ligações com o tráfico de drogas. Haviam boatos inclusive de que o grupo havia sido responsável pela morte de um guarda de trânsito que havia lhes parado.

Muitos boatos apontavam que Lola seria amante de Jorge Michelini. Segundo esses boatos ela era irmã de traficantes de Santa Cruz de La Sierra. Verdade ou mentira, assim que o caso ganhou grande espaço na mídia Lola retornou para a Bolívia, deixando para trás o marido Gabriel e o outro filho, Carlinhos.

Morte estranha

Um dos responsáveis pela investigação do caso Araceli, o sargento José Homero Dias, acabou sendo assassinado com tiros pelas costas, quando estava prestes a finalizar as investigações. Com a morte de Dias as investigações acabara estagnadas por um tempo.

Populares comentavam na época que a morte de Dias teria sido um recado às testemunhas, de que elas não estariam seguras se resolvessem falar para a polícia o que sabiam.

Acusação

O promotor Wolmar Bermudes explicou a quem se destinavam as acusações.

"O Dante Michelini pai pesa a acusação de haver mantido a menor em cárcere privado, dois dias, no sótão do seu bar, em Camburi. Contra os dois, o Dante Filho e o Helal, pesam as acusações de haverem os dois ministrado a infeliz menor tóxicos e haverem ainda de maneira violenta mantido congresso carnal com a infeliz menina", disse na entrevista.

Ainda segundo a denúncia, Dante Michelini usou suas ligações e influência com a polícia capixaba para dificultar o trabalho da polícia. Além disso, testemunhas-chave do processo morreram durante as investigações. Nenhuma dessas acusações foi provada.

Durante o julgamento, Paulo Helal e Dantinho negaram conhecer Araceli ou qualquer outro membro da família Cabrera Crespo.

Censura

O romance reportagem Aracelli, meu amor, de 1976, de autoria do escritor e jornalista José Louzeiro, foi censurado durante a ditadura militar a pedido dos advogados dos acusados.


Segundo uma das fontes, Dante Michelini, pai de Dantinho, era um latifundiário muito influente junto ao regime militar, fato que teria facilitado a censura do livro de José Louzeiro.

O assunto já havia rendido muito assunto para a mídia, o que acabava atrapalhando os negócios de Michelini. Em 1976 o caso já não era mencionado com tanta frequência por jornais e revistas, assim Michelini temia que o livro, se publicado, poderia fazer a mídia se interessar novamente pelo assunto.

Julgamento

Em 1980, o juiz responsável pelo caso, Hilton Silly, definiu a sentença: Paulo Helal e Dantinho deveriam cumprir 18 anos de reclusão e o pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. Dante Michelini foi condenado a 5 anos de reclusão.

Dantinho (esq.), Paulo Helal (centro) e Dante Michelini (dir.) (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)
Na ocasião, o juiz Hilton Silly disse em entrevista ao Jornal da Globo que os três foram condenados, porque foi provada a materialidade e a autoria do crime.

"Foi através não só da farta prova testemunhal, mas também, sobretudo, da prova indiciária, que é chamada prova artificial indireta por circustancial, baseado em indícios veementes, graves, sérios e em perfeita sintonia de causa e efeito com o fato principal", afirmou.

Os acusados recorreram da decisão e o caso voltou a ser investigado. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou a sentença, e o processo passou para o juiz Paulo Copolilo, que gastou cinco anos para estudar o processo.

Por fim, ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas que absolvia os acusados por falta de provas.

Personagens do caso

Abaixo a lista das principais pessoas envolvidas no caso Araceli, e algumas informações a respeito da atual situação em que se encontram essas pessoas.

Araceli Cabrera Sanchez Crespo

A menina de 8 anos foi sequestrada, violentada e brutalmente assassinada. O rapto aconteceu após Araceli sair da escola onde estudava, na Praia do Suá, em Vitória. Ela se tornou símbolo do combate à violência contra a criança e o adolescente no Brasil.

Lola Cabrera Sanchez Crespo

Mãe de Araceli. Boliviana, veio para o Brasil já adulta, onde se casou com o espanhol Gabriel Sanchez Crespo. Após o desaparecimento da filha, Lola se separou do marido e voltou para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde se casou novamente. Hoje, ela tem dois filhos e está viúva.

Família Cabrera Crespo. No sentido horário: Araceli; a mãe, Lola; o pai, Gabriel e o irmão, Luiz Carlos (Foto: Montagem sobre imagens de reprodução de A Gazeta e TV Globo)
Antes de se casar novamente, Lola voltou para o Espírito Santo uma única vez, em dezembro de 1978. Na ocasião, ela foi presa suspeita de seviciar, abusar sexualmente e causar lesões corporais graves em uma menina de 13 anos, que ela havia trazido da Bolívia.

Gabriel Sanchez Crespo

Pai de Araceli, o espanhol trabalhava como eletricista em uma empresa que prestava serviços para Companhia Siderúrgica de Tubarão. Depois da morte da filha, Gabriel se separou da mulher e formou uma nova família. Ele morreu, mas deixou além do irmão de Araceli, outros dois filhos.

Luiz Carlos Cabrera Sanchez Crespo

Irmão mais velho de Araceli, tinha 13 anos quando a irmã morreu. Ele morou na Serra, no Espírito Santo, mas se casou e foi para o Canadá. Ele é o atual proprietário da casa da família, no bairro de Fátima, na Serra.

Paulo Constanteen Helal, Dante Brito Michelini (Dantinho) e Dante de Barros Michelini

Os três principais acusados da morte de Araceli. Os Michelini já estiveram entre os maiores proprietários de terra do estado, com interesse na indústria e no comércio. Os Helal estão entre os maiores comerciantes, com interesses na hotelaria e no ramo imobiliário.

Paulo e Dantinho continuam vivos e moram no Espírito Santo. Já Dante Michelini já faleceu. À época do crime, ele já tinha mais de 50 anos.

Uma das principais avenidas da capital do estado recebe o nome do pai de Dante e avô de Dantinho, Dante Michelini (1897-1965), em homenagem aos seus trabalhos no desenvolvimento econômico de Vitória.

O fato da avenida ter o nome relacionado à família de um dos acusados do crime já foi motivo de protesto na capital do Espírito Santo. Em 2013, quando o desaparecimento de Araceli completou 40 anos, um grupo se movimentou para mudar o nome da via para Araceli. Ao longo da avenida, os manifestantes colaram adesivos com o nome da menina em cima das placas de identificação da via.


Em 2011, Paulo Helal foi preso durante uma operação, suspeito de falsificar documentos entregues ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Nilson Sant'anna

Perito que estudou a causa da morte de Araceli. Ao Jornal Nacional, em 1977, Nilson explicou que a menina morreu após ser submetida a uma intoxicação por barbitúrico, medicamento usado como sedativo. Além disso, ficou evidente que a vítima sofreu traumatismos quando ainda estava viva.

Hilton Silly

Juiz responsável pelo julgamento que condenou os principais acusados do crime.

Paulo Nicola Copolillo

Juiz que estudou o caso Araceli por cinco anos, depois do julgamento de Hilton Silly. Ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas e absolveu os acusados por falta de provas.

Ronaldo Monjardim

Tinha 15 anos quando encontrou o corpo de Araceli, em uma mata atrás do Hospital Infantil de Vitória.

"Só tinha o corpo dela ali naquele local. Foi uma cena muito… Parece que eu estou vendo o momento em que eu encontrei ela, voltando aqui ao local", disse recentemente a reportagem do G1 que o levou ao local onde ele havia encontrado o corpo da menina.

O Silêncio perdura

Uma equipe de reportagem do G1 que fez uma matéria sobre os 42 anos da morte da garota, tentou entrar em contato com o irmão de Araceli, Carlos Cabrera Crespo, mas não obteve retorno. Segundo Aurélio Campos, um amigo da família que ainda mora na casa que pertence a Carlos, ele prefere não falar sobre o assunto.

Campos não autorizou a reportagem a entrar na casa onde morou Araceli, tampouco quis gravar entrevista. Ele afirmou que Dona Lola e Carlinhos estão "tentando seguir em frente" e por isso não costumam falar sobre o desaparecimento de Araceli.

A professora de Araceli, Marlene Stefanon, também foi procurada pela reportagem, mas não quis comentar o assunto. Segundo a filha de Marlene, a mãe não gosta de falar sobre a menina, porque tem medo.

Locais

Abaixo o amigos e amigas poderão conferir as fotos e alguns dados publicado por uma matéria do G1 referente aos 42 anos da morte de Araceli, em relação a alguns locais chaves no caso do assassinato da menina

Casa de Araceli

A construção sofreu pequenas reformas nos últimos 42 anos. O imóvel ainda pertence ao irmão de Araceli, que o recebeu de herança do pai. Desde meados de 1985, a rua, que antes era chamada Rua São Paulo, se tornou Rua Araceli Cabrera Crespo.

A rua e a casa onde Araceli viveu no Espírito Santo, em fotos atuais (Foto: Viviane Machado/ G1)

Colégio São Pedro

A escola onde a menina estudava já não existe mais na rua General Camara, Praia do Suá. No lote, foi construída uma igreja.

Colégio São Pedro em 1977 e local em 2015 (Foto: Montagem/ G1)

Bar Oasis

Na esquina entre a Rua Ferreira Coelho e a Avenida César Helal, era o local onde Araceli foi vista pela última vez para pegar o coletivo que a levaria para casa. Atualmente, uma loja de cosméticos funciona no local.

Esquina entre a rua Ferreira Coelho e César Helal. Imagens de 1977 e 2015 (Foto: Montagem/ G1)

Bar Franciscano

Bar e restaurante que pertencia à família Michelini foi derrubado há alguns anos. Atualmente, o lote encontra-se vazio e com algumas placas de propaganda. Está situado em uma região nobre e valorizada da cidade, na avenida Dante Michelini.

Bar Franciscano em 1977. Local foi derrubado e lote está vazio em 2015 (Foto: Montagem/ G1)

Cemitério Serra-Sede

Local onde o corpo da menina está enterrado. Eventualmente, o túmulo recebe visitas de pessoas que se interessam pelo caso.

Cemitério Serra-Sede, onde o corpo de Araceli Crespo está enterrado (Foto: Montagem/ G1)



Fontes: G1, Diário de um Estudante de Direito e Wikipédia

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