A ilha prisão de Fernando de Noronha
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A ilha prisão de Fernando de Noronha



Com sua natureza exuberante, o arquipélago de Fernando de Noronha é hoje sinônimo de paraíso ecológico. Mas antes de ser um badalado destino turístico, a ilha foi, por bastante tempo, um lugar do qual era preferível manter distância. Isso porque, ao longo de mais de duzentos anos, abrigou um presídio. Para lá que eram enviados criminosos e, por um curto período, presos políticos. O local de belas praias e paisagens chegou a ser conhecido como “depósitos de desvairados”.

História

De acordo com a história oficial, o arquipélago foi descoberto em 1503 por Américo Vespúcio, o intrépido navegador florentino que deu nome à América.

Isso ocorreu quando, integrando a segunda expedição exploradora da costa brasileira, capitaneada por Gonçalo Coelho, Vespúcio aportou no arquipélago.

Mas, como nem tudo é pacífico na história dessas ilhas de exuberante vida submarina na costa brasileira, Vespúcio não deve ter sido o primeiro europeu a visitar o local.

O mapa do espanhol Juan de la Cosa, de 1502, e o atlas do português Alberto Cantino, de 1503, já delineiam perfeitamente as ilhas, dando margem a dúvidas sobre de quem seria o pioneirismo.


É certo, entretanto, que, em 1504, o cristão-novo Fernan de Loronha, financiador de Gonçalo Coelho, foi designado por Portugal donatário da capitania hereditária -e jamais esteve ali.

Estratégico na travessia dos europeus rumo à América do Sul na época das navegações, o arquipélago de Fernando de Noronha também foi chamado em algumas cartas de ilha da Quaresma, de ilha dos Golfinhos e de ilha de São João. Dependia do invasor, e esse papel coube sucessivamente a holandeses, franceses e ingleses. O local voltou ao domínio português em 1737.

A prisão de Fernando de Noronha

“O arquipélago todo era o presídio, então o que era o muro? A água. Os presos não tinham como fugir. Era diferente da prisão urbana, que tem guaritas”, afirma Sandra Veríssimo, historiadora e coordenadora do acervo documental de Fernando de Noronha. Os detentos podiam circular livremente, seguindo algumas regras, e dormiam em alojamentos. Era uma ilha-prisão.


Sandra está à frente de um projeto que vai garantir que parte desta história do arquipélago não se perca. A historiadora e sua equipe cuidam da conservação de um conjunto de 50 mil documentos que reúne cartas e fichas de presos, fotos antigas e o regimento interno do presídio, entre muitos outros. São registros dos séculos XIX e XX que revelam quem estava preso e como era a rotina da ilha no período.

Apesar de a ilha estar a 545 quilômetros do Recife (quase a mesma distância entre a capital pernambucana e Aracaju), alguns corajosos se arriscavam nessa longa travessia em embarcações improvisadas. Logo que a prisão foi estabelecida, no século XVIII, o temor de que os detentos fugissem era tanto que foi ordenada a destruição de árvores, para que eles não pudessem usar a madeira para construir barcos ou canoas.

O presídio foi fundado em 1737, depois que a Coroa portuguesa percebeu o risco de perder essas terras, já que, do século XVI até o XVIII, franceses e holandeses fizeram várias investidas na ilha. Para tomar conta daquele ponto estratégico de rotas comerciais – no meio do caminho para a Europa e a África –, o jeito foi povoar o lugar levando degredados e assassinos.

Naquela época, o arquipélago fazia parte da capitania de Pernambuco, o que havia sido determinado algumas décadas antes, em 1700. Mas durante mais de dois séculos, desde 1504, a ilha havia pertencido à família de Fernando de Noronha, seu primeiro donatário. O problema é que, ao longo desses dois séculos, o lugar ficou relativamente abandonado. O povoamento com presidiários surgia como uma ótima solução para o governo da época, com a vantagem de levar os criminosos para longe.

Ao desembarcar na ilha, os primeiros detentos e os responsáveis pela administração do presídio se depararam com várias fortificações, mas nenhum alojamento ou lugar para morar, informa Grazielle Rodrigues em seu livro “Noronha em poucas palavras”. Por isso, os próprios presos foram os responsáveis por erguer os armazéns e as vilas que se tornariam suas residências, escreveu a historiadora que coordena o Centro de Pesquisa Histórica e Cultural de Fernando de Noronha.


Alguns desses prédios estão lá até hoje, como a Vila de Nossa Senhora dos Remédios. A alimentação também ficava por conta deles: fabricavam farinha, pescavam e cultivavam a terra. Se por um lado a infraestrutura era precária, por outro, podiam levar a família mediante autorização. Era quase impossível fugir, por isso não eram necessárias normas rígidas ou muitos guardas no presídio. “Em 1839, havia apenas 40 soldados para tomar conta de 400 presos. Existiam códigos de conduta no presídio. A ordem se mantinha em Fernando de Noronha; houve poucos levantes,” revela Grazielle.


O isolamento era completo, e agravado não só pela distância em relação ao continente, mas também pela demora e pela dificuldade de comunicação. Algo difícil de se imaginar hoje, do ponto de vista de um mundo globalizado. Para se ter uma ideia, a ilha só soube da Independência do Brasil em 1823, um ano depois da proclamação, informa Grazielle em seu livro.


Por muito tempo, a população de Fernando de Noronha era formada apenas por presos comuns. Mas no século XX isso mudou. Logo no início do Estado Novo (1937-1945), o presidente Getulio Vargas determinou que iriam para o arquipélago também os presos políticos.


Segundo a historiadora Sandra Veríssimo, o objetivo do presidente era evitar qualquer ameaça ao seu governo. É o que mostra o decreto-lei assinado por ele em 1938: Fernando de Noronha seria destinado “à concentração e trabalho de indivíduos reputados perigosos à ordem pública ou suspeitos de atividades extremistas”.

Alguns comunistas importantes passaram por lá, como Gregório Bezerra (1900-1910), que foi um dos líderes da insurreição comunista contra Vargas, e Carlos Marighella (1911-1969), que deu aulas aos presos comuns na escola noturna da ilha. Os detentos foram instalados em alojamentos de acordo com seus grupos políticos. Os comunistas ficavam no alojamento central, na Vila dos Remédios, enquanto os integralistas ficavam na horta dos Três Paus. Os presos comuns viviam em um terceiro alojamento, em Quixaba, e em casas espalhadas pela ilha.

Capela de Qixaba
O cotidiano em Fernando de Noronha era completamente diferente daquele que Gregório Bezerra enfrentara na Casa de Detenção do Recife, onde viveu em uma pequena cela, vigiado 24 horas por dia. Em seu livro de memórias, ele conta que a saúde de vários colegas melhorou na ilha, já que podiam tomar sol e se alimentar melhor.

Mas ele não deixa de relatar alguns problemas, como a água poluída que causava disenteria nos detentos. Conta também o incômodo da praga de ratos, lagartixas e sapos, além dos mosquitos que atrapalhavam muito na hora de dormir. No entanto, o mais difícil para Bezerra era o isolamento: “A correspondência, além de demorada, era severamente censurada e, o pior de tudo, não tínhamos direito a visitas.”

Bezerra havia sido condenado a 27 anos de prisão, mas não chegou a ficar todo esse tempo na ilha. Em 1942, com todos os outros presos de Fernando de Noronha, foi levado para a Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o presídio foi extinto e a ilha passou a ser utilizada para a defesa nacional.

Era o fim de uma longa era em Fernando de Noronha. Hoje, restam na ilha algumas construções daquela época e descendentes de presos, que nem sempre gostam de falar sobre esse passado. Mas, ao se tornar acessível, a documentação organizada pelo projeto vai impedir que essa história seja esquecida.

As punições impostas aos presos

Imagine uma ilha com cerca de 1 guarda, ou soldado, para cada 10 presos. Seria impossível controlar a fúria de homens totalmente isolados no mundo, não fosse o jogo de cintura do comandante militar, além das possíveis punições para quem ousasse transgredir. A bola de ferro nos pés de quem descumprisse as normas era o primeiro castigo. Se não resolvesse, ou se a desordem merecesse uma punição ainda maior, o preso ia para a solitária da Fortaleza dos Remédios e lá ficava enclausurado pelo tempo necessário.

Fortaleza dos Remédios
Os presos comuns saiam do continente com a ordem de usar a bola de ferro nos pés, mas chegavam à ilha e o comandante as tirava, guardando-as para usar apenas em casos extremos. “Se ele fizesse tudo o que a lei do continente mandava, provavelmente o comandante seria um homem morto. Acredito que fazia vista grossa a certas punições mais como um jogo político com os presos”, diz Grazielle.

Além da solitária da Fortaleza, presos perigosos e infratores poderiam ir para uma ilha pequena, próxima a Fernando de Noronha: a Ilha de Rata – que leva este nome justamente porque tinha muitos ratos. Quando um preso ia para lá, ficava sob a guarda de um soldado. Um dos revoltosos da Praieira, Antonio Borges da Fonseca, ficou três anos na Ilha de Rata e, segundo Grazielle, mesmo estando totalmente isolado do mundo, ele conseguiu subornar os militares e enviar cartas ao continente, publicadas em jornais da época. Para desordens mais leves, os guardas também recorriam ao castigo da prancha (surravam os presos com o objeto) ou às chicotadas.

As tentativas de fuga também eram punidas com a transferência do preso para a Ilha Rata, uma das ilhotas do arquipélago. Funcionava como uma solitária, e os detentos ficavam por lá durante 15 dias.

Ilha da Rata
Fontes: Folha Online, Revista de História e Gazeta do Povo.

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